Nota da editora: Esta reportagem se baseia em documentos e dados públicos e privados, bem como em entrevistas com quase duas dezenas de pessoas, incluindo funcionários e ex-funcionários ambientais do governo, economistas, biólogos, indígenas, acadêmicos, técnicos e pesquisadores que foram testemunhas do desmatamento na região oriental do Paraguai e as razões pelas quais isso ocorreu.
Por Aldo Benítez
Correspondente/Bajo la Lupa
Há dez anos, a estância Paso Kurusu se estendia por 21.834 hectares de Mata Atlântica e suas terras eram consideradas uma das reservas florestais mais importantes do Paraguai. Nessa época, o Fundo Mundial para a Natureza classificou a floresta como essencial para a conservação dos corredores naturais de árvores antigas na região oriental do Paraguai, uma área de extensas planícies, vales e terra vermelha.
Nos anos seguintes, a floresta de Paso Kurusu foi destruída.
Quase 20.000 hectares foram despojados de árvores entre 2011 e 2020, apesar de uma lei nacional em vigor desde 2004 que protege a Mata Atlântica e proíbe o corte de árvores. O dono dessa terra agora devastada é o empresário brasileiro Ulises Rodríguez Teixeira.
Desde que Rodríguez Teixeira se instalou no Paraguai há mais de duas décadas, os agentes ambientais dizem que ele se tornou um dos mais potentes desmatadores da região oriental, onde o Paraguai partilha a fronteira com a Argentina e o Brasil.
Os registros das agências governamentais de proteção ambiental do Paraguai dos últimos 10 anos mostram que nenhum outro empresário do setor do agronegócio acumulou tantas denúncias ou foi alvo de tantas investigações.
Em 2017, Rodríguez Teixeira recebeu a maior multa já imposta pelo Ministério do Meio Ambiente do Paraguai – US$ 216.700 – pelo desmatamento de 12 propriedades suas entre 2011 e 2012. O então ministro do Meio Ambiente, Rolando de Barros Barreto, assinou a ordem judicial. Mas, quatro anos depois, Rodríguez Teixeira não pagou a multa. Ele recorreu e a questão continua sem solução nos tribunais do Paraguai.
“O nome de Rodríguez Teixeira é referência quando se fala em desmatamento na região oriental”, disse Barreto, ex-ministro do Meio Ambiente, em uma entrevista.
Apesar das rígidas regulamentações ambientais do Paraguai, como a Lei de Desmatamento Zero em vigor desde 2004, os dados do sistema por satélite Global Forest Watch mostram que 1.276.471 hectares foram arrasados em dez dos 14 departamentos do Paraguai (equivalentes a Estados) que fazem parte da Mata Atlântica entre 2004 e 2019. Em todo esse tempo, nem uma única pessoa foi condenada à prisão por desmatamento.
Não há funcionários ambientais suficientes para fazer cumprir as regulações referentes ao desmatamento no Paraguai, um país de 7 milhões de habitantes do tamanho aproximado da Califórnia. E não há juízes especializados em direito ambiental, o que significa que suas decisões não costumam se basear em preocupações ambientais.
E ainda há preocupações econômicas. A Mata Atlântica vem sendo derrubada por empresas agroindustriais para dar lugar à lucrativa produção de soja e à exportação de carne, com a pecuária. As exportações desse grão geram um pouco mais de US$ 3 bilhões ao ano, segundo a Plataforma Nacional de Commodities Sustentáveis, transformando o Paraguai em um dos maiores exportadores de soja do mundo.
A pecuária paraguaia movimenta cerca de US$ 1,35 bilhão por ano na exportação de carne, colocando o país entre os principais fornecedores do mundo. Na região oriental, onde está localizada a Mata Atlântica, se concentra 52% de toda a pecuária do país, segundo dados da Mesa Paraguaia de Carne Sustentável.
A história do desmatamento da Mata Atlântica obedece ao cumprimento nulo das leis ambientais e aos grandes interesses econômicos conflitantes existentes no Paraguai. Esses vínculos se dão com o Brasil, que partilha a mata com o Paraguai, e ressoa em toda a América Latina.
“Não fizemos nada para evitar a destruição da Mata Atlântica do Alto Paraná”, disse Fátima Mereles, ex-presidente do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia do Paraguai. “Hoje, toda a Mata Atlântica está perdendo sua capacidade de recuperação”.
A maior parte da terra de Rodríguez Teixeira se encontra na Mata Atlântica, uma região biodiversa, com mais de 2.000 espécies de animais. A floresta abriga mais de 930 espécies de aves. E há mais de 20.000 espécies de plantas na Mata Atlântica, 40% das quais não são encontradas em nenhum outro lugar da Terra. Foram registradas ao menos 450 espécies de árvores em apenas um hectare desse bioma.
A Mata Atlântica perde apenas para a Amazônia em importância ecológica e ambiental na América Latina, segundo o Fundo Mundial para a Natureza. Mas também é considerada uma das mais ameaçadas.
A região oriental do Paraguai abriga a Mata Atlântica, um ecossistema vital de espécies únicas de plantas e animais, perdendo apenas para a Amazônia, e é uma das áreas naturais mais ricas do planeta. Foto: Shutterstock
A majestosa floresta já se estendeu por mais de 1.294.994 quilômetros quadrados no Brasil, Paraguai e Argentina. Nos últimos 10 anos, 85% da mata original foi arrasada, deixando apenas 194.249 quilômetros quadrados intactos.
O Paraguai possui uma riqueza de ecossistemas que biólogos e especialistas ambientais consideram única. Dividida em duas regiões distintas, a oriental e a ocidental, cada uma faz parte de uma importante ecorregião da América Latina.
Na região oriental, a Mata Atlântica cobre dez departamentos e ao menos vinte áreas silvestres protegidas, incluindo a Reserva da Biosfera da Floresta Mbaracayú, uma das duas biosferas naturais reconhecidas pela UNESCO no Paraguai. A outra é a Reserva da Biosfera do Chaco.
Na região ocidental, a parte alta do Chaco paraguaio faz parte do grande Pantanal, a maior área úmida do mundo, compartilhada com a Bolívia e o Brasil. Alguns especialistas o consideram o ecossistema de maior biodiversidade do planeta. É o lar de espécies como a ariranha (Pteronura brasiliensis) e o tatu-canastra (Priodontes maximus), que estão classificadas como em risco de extinção e não são encontradas em nenhum outro lugar do mundo.
Em seguida está o aquífero Guarani, o terceiro reservatório subterrâneo de água doce mais importante do mundo. O aquífero cobre partes do Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai. No Paraguai, 10 dos departamentos que fazem parte da Mata Atlântica se encontram no aquífero.
As áreas silvestres protegidas foram estabelecidas em 1994 pelo governo paraguaio em resposta à alta taxa de desmatamento em curso. A ideia, em princípio, era criar um sistema na qual a intervenção público-privada garantisse a conservação.
Mas 27 anos depois o desmatamento continua.
PARAGUAI, PAÍS DE OPORTUNIDADES
Ulisses Rodrigues Teixeira tinha menos de 40 anos quando chegou ao Paraguai no final da década de 1990, proveniente do Estado do Paraná, sul do Brasil, onde já era um influente empresário. Em 1992, representou o governo brasileiro durante a 21ª Missão Econômica no Japão. No Paraná, sua família possui ainda investimentos e empresas no setor agrícola.
Ele se instalou entre os departamentos de San Pedro e Canindeyú, mas não foi o único empresário brasileiro a fincar raízes na região. Nessa área do Paraguai, próxima à fronteira com o Brasil, os investimentos têm sotaque português. Para Teixeira, foi como estar em casa.
Os brasileiros começaram a chegar ao Paraguai na década de 1960, atraídos pelas terras cultiváveis baratas da região fronteiriça com o Brasil. Derrubaram árvores para a agricultura em grande escala, uma atividade que foi bem recebida pelo governo paraguaio, como uma forma de transformar as terras “improdutivas”em comunidades que poderiam melhorar a vida das famílias rurais. E, para destacar esse ponto, há fotografias dos anos 60-70 e inclusive dos anos 90 com pessoas posando com enormes toras de madeira nativa recém-cortadas e carregadas em caminhões nas regiões da Mata Atlântica.
A indústria de soja do Paraguai teve início com produtores brasileiros que ajudaram o país a se tornar atualmente no sexto maior produtor desse grão e o quarto maior exportador do mundo. Argentina, Brasil e Rússia são os maiores compradores das exportações de soja do Paraguai, que contribuem com 18% do PIB do país.
Hoje, aproximadamente 14% de toda terra cultivável do Paraguai, cerca de 454.286 hectares, estão nas mãos de empresários brasileiros, segundo De Olhos nos Ruralistas, uma organização de investigação com foco no agronegócio do Brasil. Ao final de 2019, havia 137 empresas brasileiras no Paraguai, 32% das que operam com capital estrangeiro, segundo o Banco Central do Paraguai. A grande maioria se dedica à agricultura.
No lucrativo negócio da soja, Rodríguez Teixeira é um dos maiores atores do Paraguai, tanto como produtor quanto como proprietário que arrenda suas terras para a produção desse grão.
Rodríguez Teixeira, que no Paraguai usa a versão em espanhol do seu primeiro nome com um s (Ulises) e seu sobrenome com z (Rodríguez) no final, possui ao menos nove propriedades e aparece como membro do conselho administrativo de pelo menos outras duas empresas ligadas ao agronenócio.
A grande quantidade de propriedades que possui é cinco vezes maior do que o tamanho de Assunção, a capital do Paraguai. Em apenas cinco estâncias, Rodríguez Teixeira tem 50.534 hectares, todos localizados na Mata Atlântica.
Em muitas das propriedades rurais administradas por Rodríguez Teixeira, seus familiares também aparecem como proprietários. Por exemplo, nos registros do INFONA um dos donos de Paso Kurusu é a filha dele, Renata Teixeira. Seus irmãos e outros parentes também aparecem como donos das propriedades.
Os dados do cadastro rural do Paraguai mostram que Rodríguez Teixeira e sua família possuem ao menos mais 10.000 hectares em outras regiões do Paraguai. As extensas propriedades de terra colocam Rodríguez Teixeira em sexto lugar entre os proprietários de terras brasileiros no Paraguai, segundo um relatório do De Olhos nos Ruralistas.
Apesar das suas propriedades de terra e operações de soja, a maioria dos paraguaios não conhecia Ulises Rodríguez Teixeira. Mas isso mudou em outubro de 2009, quando o jornal ABC Color publicou uma bomba: Rodríguez Teixeira tinha fechado um notável acordo para vender sua estância Paso Kurusu ao governo paraguaio.
O ABC Color, um dos jornais mais lidos do país, informou que Rodríguez Teixeira e o governo do então presidente Fernando Lugo tinham chegado a um acordo que estabelecia o pagamento de US$ 30 milhões pela estância Paso Kurusu.
O jornal revelou que o Rodríguez Teixeira tinha comprado a mesma propriedade um ano antes por US$ 11 milhões. Assim, o rancho seria vendido com uma margem de lucro de US$ 19 milhões.
A notícia abalou o Paraguai e, três anos depois, em julho de 2012, o governo anunciou que não compraria a propriedade.
Em 2012, ocorreram outros dois eventos notáveis.
No mesmo mês em que o governo desistiu da compra de Paso Kurusu, Rodríguez Teixeira anunciou planos de construir uma fábrica de etanol no rancho, que geraria empregos e ajudaria comunidades indígenas e trabalhadores rurais, assim como as pequenas escolas rurais no entorno da sua propriedade.
Um mês depois, em agosto de 2012, quase 7.000 hectares da floresta da estância Paso Kurusu foram destruídos em um grande incêndio que os bombeiros e o Ministério do Meio Ambiente confirmaram ter sido provocado intencionalmente. A investigação sobre o incêndio nunca resultou na identificação ou na prisão dos responsáveis.
A proposta da fábrica gerou entusiasmo em San Pedro, onde se encontra a maior parte da estância Paso Kurusu. San Pedro tem sido historicamente um dos departamentos mais pobres do Paraguai, obtendo a classificação nada invejável de ter o segundo maior nível de pobreza extrema do país. A fábrica prometeu gerar empregos a centenas de famílias. Mas os anos se passaram e a fábrica de etanol nunca se materializou em Paso Kurusu.
Crescimento econômico e redução das florestas
San Pedro, uma região de fazendas em expansão e de florestas em declínio próxima à fronteira do Paraguai com o Brasil, tem um dos mais altos índices de pobreza do país.Porém, em meio à pobreza, San Pedro é um fervedouro da atividade agroindustrial.
Nos últimos 20 anos a região experimentou um crescimento extraordinário das plantações de soja, passando de 33.700 hectares em 2000 para 360 mil hectares em 2021, segundo dados do censo oficial do Ministério da Agricultura.
O mesmo ocorre em Canindeyú, distrito vizinho que faz fronteira com o Brasil.As plantações de soja aumentaram de 238.100 hectares em 2000 para 660 mil hectares este ano.
Em uma vasta extensão de terra entre as regiões agrícolas de San Pedro e Canindeyú, Ulises Rodríguez Teixeria construiu seu império.Fez fortuna no Paraguai em terras que faziam parte da Mata Atlântica do Alto Paraná(BAAPA, na sigla em espanhol), um majestoso remanescente de mata nativa, rica em flora e fauna, que só perde para a Amazônia em biodiversidade na América do Sul.Hoje, não resta quase nada dessa floresta tropical.
Segundo o sistema de monitoramento florestal por satélite Global Forest Watch, San Pedro e Canindeyú perderam 585.461 hectares de cobertura florestal de 2001 a 2021.
Era uma época em que a internet ainda não chegava a um número significativo de paraguaios e poucas pessoas estavam cientes do desmatamento crescente. Mas, com o passar do tempo, Ulises Rodríguez Teixeira deixou de ser o brasileiro conhecido pelo “caso de Paso Kurusu” e se tornou o empresário brasileiro ligado ao desmatamento.
Não é por acaso que o crescimento de Rodríguez Teixeira como proprietário de terras tenha sido paralelo ao desmatamento em San Pedro e Canindeyú. À medida que aumentou a demanda global por soja, a terra foi sendo sistematicamente desmatada, apesar das leis ambientais proibirem a derrubada de árvores na região desde 2004.
Em San Pedro, Rodríguez Teixeira arrenda quase toda a sua estância Paso Kurusu – cerca de 20.000 hectares – para o Grupo Pereira SA, uma empresa que por sua vez trabalha com um grupo de agricultores para produzir soja, girassóis e grãos.
As terras agrícolas na região de San Pedro são arrendadas por cerca de US$ 300 por hectare ao ano, dependendo do valor de mercado. Isso representa aproximadamente US$ 6 milhões ao ano em receita para Rodríguez Teixeira, apenas pela estância Paso Kurusu. Mas os interesses comerciais do empresário vão além da pecuária e do agronegócio.
Seu último projeto foi a construção de um hangar aeroportuário em Luque, a 15 quilômetros de Assunção, próximo ao Aeroporto Internacional Silvio Pettirossi, com capacidade para ao menos uma dezena de aviões e helicópteros. Segundo o Relatório de Impacto Ambiental do projeto, a obra abarca 6.060 m2, com um investimento inicial de US$ 725.000.
Ele também está expandindo suas operações comerciais nos Estados Unidos. Em 5 de agosto, Rodríguez Teixeira e vários familiares registraram uma nova empresa: Teixeira International Investment LLC em Citrus Park, Flórida, uma comunidade ao norte de Tampa, segundo documentos apresentados na Divisão de Corporações do Departamento de Estado da Flórida.
Quem conhece Rodríguez Teixeira diz que ele tem uma abordagem prática para o funcionamento das suas estâncias, que está sempre atento ao que acontece em sua terra. Ele prefere estar em suas terras do que no escritório. Supervisiona diretamente todos os detalhes das operações.
Nas comunidades indígenas próximas às suas propriedades, Rodríguez Teixeira é visto como um ferrenho defensor da sua terra. Outros que já negociaram com ele dizem ser um empresário ágil, focado em solucionar os problemas pessoalmente, especialmente quando se trata de denúncias de violações ambientais. O método de Rodríguez Teixeira para tratar das queixas, dizem, é rápido e eficaz.
Vale destacar aqui um exemplo: em dezembro de 2010, o Congresso Nacional aprovou uma lei que designou 15.223 hectares de Paso Kurusu como área silvestre protegida, com o objetivo de resguardar as florestas dessa propriedade.
Rodríguez Teixeira apelou à Suprema Corte e, em outubro de 2013, o mais alto tribunal do país declarou a lei inconstitucional, conforme o empresário havia solicitado. Da mesma forma, essas florestas já haviam sido arrasadas antes da emissão da decisão pela Suprema Corte.
Uma das muitas intervenções realizadas pelo Ministério do Meio Ambiente na Estância Paso Kurusu, de propriedade da família Rodríguez Teixeira. Nesse caso, trata-se de uma investigação aberta em 2015. (Foto: Arquivo MADES).
AS DENÚNCIAS, A ESTRATÉGIA
O Ministério do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável do Paraguai (MADES) conduziu 21 investigações de denúncias ambientais contra Rodríguez Teixeira – 13 por possíveis violações ambientais e oito fiscalizações. Em apenas oito casos, ele pagou multa, segundo dados do MADES.
O Instituto Nacional Florestal (INFONA) realizou cinco intervenções adicionais de 2018 a 2020 nos ranchos de Rodríguez Teixeira. Três casos ocorreram devido a denúncias de uma mudança não autorizada no uso da terra e os outros dois se relacionam ao desmatamento ilegal. Todos os casos estão sob investigação.
O Ministério Público Ambiental também abriu oito investigações relacionadas à extração, ao desmatamento, ao uso da terra e a outros tipos de violações ambientais contra as empresas de Rodríguez Teixeira desde 2010.
Duas são recentes, abertas em julho de 2020 e se concentram em duas propriedades de Rodríguez Teixeira de 10.098 hectares, que se estendem por dois departamentos. A estância Yby Pora, que na língua nativa guarani do Paraguai significa “boa terra”, está localizada no departamento de San Pedro, enquanto a estância Santa Teresa se encontra no departamento de Canindeyú. Os promotores ambientais de ambos os departamentos investigam o desmatamento de ao menos 1.500 hectares na propriedade desde 15 de julho de 2020.
Assim como o Ministério Público Ambiental, o INFONA também está investigando o desmatamento nessa propriedade de Rodríguez Teixeira.
Os indígenas da comunidade Kavaju Paso alegam que a empresa XT Paraguay anexou ao menos 123 hectares pertencentes à comunidade ao rancho Yby Pora. Em uma entrevista a Bajo la Lupa, Salvador Esquivel, líder dessa comunidade, afirma que as terras reivindicadas foram cercadas anos atrás pela XT Paraguay, que agora utiliza esse terreno para plantações de soja.
Surgiu um padrão nas denúncias ambientais envolvendo as propriedades de Rodríguez Teixeira.
Surgiu um padrão nas denúncias ambientais envolvendo as propriedades de Rodríguez Teixeira.
Primeiro, a terra é livre das árvores. Se há uma intervenção das autoridades, seja do MADES ou do INFONA, Rodríguez Teixeira paga a multa ou recorre à Justiça e, com isso, atrasa o processo. Posteriormente, a área que foi despojada de árvores é designada como uma alteração do uso do solo e a terra é utilizada para plantações, apesar de uma lei proibindo a atividade.
Foi o que ocorreu com a estância Paso Kurusu, onde, apesar do desmatamento verificado pelas autoridades ao longo dos anos, hoje tem suas terras usadas para plantações. Na última etapa, a terra acaba sendo alugada a terceiros para a agricultura e Rodríguez Teixeira aparece nos registros governamentais não como produtor de soja, mas sim como um arrendatário de terras de cultivo.
O resultado dessa estratégia, que se repete continuamente, é a conversão da terra para o uso agrícola, sem devolvê-la ao seu estado natural de mata nativa.
O ex-ministro do MADES se lembra de outra estratégia: Rodríguez Teixeira geralmente não cumpre as exigências ambientais impostas pelo governo.
As licenças ambientais concedidas a Rodríguez Teixeira o obrigaram a reflorestar as áreas que destruiu. Essas licenças ambientais são emitidas para autorizar e controlar atividades como a agricultura e a instalação de fábricas, para garantir que não tenham um impacto ambiental negativo ou, ao menos, tenham um impacto mínimo sobre o meio ambiente.
“Para renovar suas licenças, ele se comprometia a recompor as áreas afetadas com espécies nativas, coisa que nunca cumpriu”, disse Barreto.
Julio Mareco, diretor de inspeção do MADES, destaca que desde que começou a trabalhar no Ministério em 2004, não se lembra de outro empresário que tenha sido foco de tantas denúncias ou investigações.
“Temos vários processos nos quais as investigações determinaram que ele infringiu as leis ambientais deste país”, disse Mareco em uma entrevista. “O infrator ambiental é aquele que muda as condições naturais de um terreno. E isso foi comprovado em vários dos processos abertos contra as empresas Teixeira”, expõe Mareco.
Os funcionários ambientais paraguaios do passado e do presente conheceram as persistentes acusações de violações ambientais que foram surgindo contra Rodríguez Teixeira ao longo dos anos.
María Cristina Morales, ex-ministra do Meio Ambiente, lembra de ter ido “a uma estância em Santa Rosa del Aguaray, San Pedro (em 2014), onde tínhamos recebido uma denúncia por desmatamento de matas nativas. Chegamos e comprovamos o caso. Os tratores ainda estavam ali”.
Morales lembra-se de prender um membro do pessoal que trabalhava na estância e perguntar quem estava no comando. O funcionário disse que “a propriedade pertencia a Ulises Rodríguez Teixeira”.
Uma das entradas da estância Aparay, da família Rodríguez Teixeira. Em pleno coração da Mata Atlântica, essa propriedade de quase 5.300 hectares é utilizada quase que totalmente para a agricultura mecanizada. Foto: Pánfilo Leguizamón
Bajo la Lupa fez várias tentativas desde 2 de agosto para contatar Rodríguez Teixeira para esta reportagem. Representantes da sua empresa, a XT Paraguay, disseram em resposta às solicitações telefônicas para uma entrevista que o advogado de Rodríguez Teixeira, Bader Rafael Torres, é a única pessoa autorizada a falar em seu nome.
Há quase um mês, com um intervalo de dois ou três dias, Bajo la Lupa tem contatado Torres a respeito dessa reportagem, seja por telefone ou por mensagens de WhatsApp.
Na Consultora Alta Vista SA, onde Torres figura como um dos sócios, os funcionários do escritório de advocacia disseram que Rodríguez Teixeira se comunicaria com Bajo la Lupa quando estivesse disponível para uma entrevista. Até o momento, não entrou em contato com este repórter.
Nos círculos ambientais, “Rodríguez Teixeira é um nome emblemático para nós”, diz Oscar Rodas, diretor do Fundo Mundial para a Natureza-Paraguai (WWF-Paraguay). “Há 21 anos denunciamos o desmatamento em diversas propriedades desse empresário”.
Rodas aponta que o desmatamento de áreas como Paso Kurusu altera significativamente o ecossistema da região. Mas, apesar da documentação sobre os danos ambientais, o maquinário de corte de árvores nas propriedades de Rodríguez Teixeira nunca parou.
TERRITÓRIO FÉRTIL
No Paraguai, há apenas 12 promotores especializados em crimes ambientais. Em locais como Canindeyú ou San Pedro, somente dois agentes respondem a todas as denúncias. Além disso, às vezes precisam atender outros casos não relacionados aos crimes ambientais.
Néstor Narváez é o único promotor encarregado de cuidar de todos os casos ambientais no departamento de San Pedro, que é praticamente do tamanho de Israel. É também uma região de constantes conflitos e denúncias por desmatamento e outros crimes ambientais.
Mas isso não é tudo. Narváez deve atender aos Crimes Civis, de Infância e Adolescência e Econômicos na cidade de Santa Rosa, a 77 quilômetros da capital do departamento. “Tenho ao menos um ou dois julgamentos orais por semana, três ou quatro audiências preliminares por dia em Santa Rosa. Por isso procuramos atender a todas as denúncias que nos chegam”, disse Narváez, “pelo menos as mais urgentes”.
Há apenas 11 promotores para investigar o desmatamento e outros crimes ambientais nos 10 distritos que compõem a Mata Atlântica.
Enquanto isso, no MADES, 15 fiscais devem atender a todos os tipos de denúncias de crimes ambientais, não apenas àquelas relacionadas ao desmantelamento ou ao desmatamento em nível nacional.
O Departamento de Florestas e Assuntos Ambientais (DEBOA, na sigla em espanhol) da Polícia Nacional se localiza na cidade de Capiatá, a 250 quilômetros da Mata Atlântica. O escritório está equipado com uma caminhonete e oito agentes para atender às reclamações recebidas de todo o país.
Para agravar o problema, 2021 é o segundo ano consecutivo de corte do orçamento anual de US$ 4,4 milhões do MADES pelo Congresso Nacional. Os funcionários do MADES dizem não haver fundos para contratar pessoal adicional.
Também faltam juízes especializados em direito ambiental, o que muitas vezes significa que as decisões judiciais finais não se baseiam em preocupações ambientais.
No Paraguai, as regulações ambientais parecem rígidas e semelhantes, em comparação às dos países vizinhos. O problema está na aplicação das sanções. Em outras palavras, impunidade.
O INÍCIO DO FIM DA FLORESTA
Rodas, diretor do WWF-Paraguay, acredita ter sido perdida uma grande oportunidade de criar um grande projeto florestal sustentável no Paraguai.
A região oriental do Paraguai já teve 5.600.000 hectares de floresta, uma área igual à da Croácia, segundo um relatório da Universidade Nacional de Assunção. Hoje, só restam menos de 2.000.000 hectares.
Uma árvore solitária localizada em um campo de soja no que antes era Mata Atlântica. Nos últimos 10 anos, 85% da floresta foi derrubada. Foto: Alamy
A perda de biodiversidade e um sistema florestal sustentável são insubstituíveis.
“Poderia estar produzindo aproximadamente 20 milhões de dólares por ano, apenas com o valor da madeira. Com um crescimento sustentável, com um sistema para evitar o desmatamento, a floresta produtiva é muito mais valiosa”, diz Rodas. “Perdemos muito. É hora de encontrar maneiras de evitar mais destruição, de propor um sistema que possa ser sustentável”.
O WWF está cansado de comunicar o desmatamento de terras no Paraguai, grande parte pertencente a Rodríguez Teixeira.
Julio Mareco, diretor de inspeção do MADES, diz que, após 17 anos entrando com ações legais uma após outra para deter o desmatamento, também está se cansando. Está cansado de fazer intervenções legais nas terras de Rodríguez Teixeira e de ver que esses esforços não deram frutos na restauração da Mata Atlântica.
À medida que mais e mais árvores desaparecem a cada ano que passa, Mareco e outros que trabalharam para proteger a floresta são atormentados por um pensamento assustador. Se o desmatamento continuar sem controle, o Paraguai vai acabar perdendo sua mata e a região oriental ficará totalmente devastada.
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