O desmatamento gerado na região oriental afeta diretamente a Mata Atlântica do Alto Paraná. Uma das reservas florestais mais importantes da América Latina está desaparecendo completamente. Foto: Pánfilo Leguizamón
Ilha em um mar de desmatamento
Fátima Mereles é botânica, docente, exploradora paraguaia, curadora e apaixonada pela conservação florestal. Ela é franca sobre a situação no Paraguai.
“Não fizemos nada para evitar a destruição da Mata Atlântica do Alto Paraná”, diz Mereles. “Hoje, toda a Mata Atlântica está perdendo sua capacidade de recuperação”.
Se durante décadas tivesse existido uma política governamental que abordasse os problemas ambientais, ela acredita que o Paraguai seria agora um país de produção florestal sustentável. “Mas hoje não podemos nem ao menos recuperar a quantidade de madeira perdida”, diz Mereles.
Enquanto Mereles fala sobre o futuro da Mata Atlântica, seu trabalho se espalha sobre uma mesa do Herbário do Departamento de Botânica do câmpus da Universidade Nacional de Assunção (UNA), em San Lorenzo.
O herbário da UNA, que funciona como um depósito ou museu de plantas secas para o estudo da botânica, possui cerca de 60.000 exemplares. Sobre a mesa há alguns livros, um computador aberto, uma lupa, duas cadeiras altas.
Quando Mereles fala da Mata Atlântica, da riqueza botânica do Paraguai, ela se ilumina. O país tinha o necessário para manter suas majestosas florestas, diz, mas agora precisa lutar para não perder o pouco que lhe resta.
Ela diz ser impossível quantificar o quanto o Paraguai perdeu em biodiversidade devido ao desmatamento em grande escala nas últimas décadas.
“A botânica, o estudo de tudo o que é floresta no país, chegou tarde. Somente na década de 1970, quando o desmatamento já ocorria em grande parte da região leste, começamos a fazer um estudo rigoroso, portanto, é impossível determinar a quantidade de espécies que se perdeu naqueles tempos de devastação”, afirma Mereles.
A Reserva da Biosfera da Floresta Mbaracayú, uma das duas biosferas naturais reconhecidas pela UNESCO no Paraguai, é uma lembrança do futuro da Mata Atlântica.
“Permanecemos como uma ilha de florestas em um mar de desmatamento”, diz Hugo Mora, Gerente de Desenvolvimento Territorial da Fundação Moisés Bertoni, organização que trabalha há 20 anos em programas de conservação no interior da Reserva Mbaracayú, no departamento de Canindeyú.
Apenas recentemente, no início dos anos 2000, Mora lembra que a paisagem da Reserva da Biosfera da Floresta Mbaracayú ainda era exuberante e verde. “A partir de 2005, mais ou menos, vi que a paisagem mudava. Começou com a pecuária e depois com a agricultura extensiva, mudança que ocorreu, a princípio, paulatinamente, passando de resquícios de florestas para campos e plantações”.
Flora na Reserva da Biosfera da Floresta Mbaracayú. Cortesia da Fundação Moisés Bertoni
O avanço da fronteira agrícola, com a mudança do uso do solo, está ocorrendo em um ritmo vertiginoso, sem controle e sem nenhum tipo de regulamentação. “Os regulamentos e as faixas de proteção não são respeitados. Se não tivermos auditores, se não tivermos controles sérios, obviamente não vamos fazer com que as coisas mudem”, diz Mora.
Na opinião de Mereles, a única saída é desenvolver uma política rígida de conservação das florestas, principalmente da Mata Atlântica. Mereles fala da importância de ter projetos ou planos de desenvolvimento e, principalmente, de conservação florestal. “É urgente trabalhar para deixar resquícios de florestas que sejam viveiros”, diz.
Mas reconhece que adotar uma abordagem rígida para a conservação provocará fortes reações de diferentes grupos: econômicos, sociais e até religiosos. Não acredita que as autoridades tenham vontade política para ficar do lado da flora e da fauna contra esses grupos poderosos.
Mereles não está otimista em relação ao futuro da Mata Atlântica do Paraguai. Não está convencida de que a conservação da floresta se torne uma prioridade para o Paraguai. “Na minha opinião”, diz, “não temos uma solução”.